quinta-feira, 7 de outubro de 2010

São Petersburgo - dia 5


Algumas surpresas que a vida reserva são muito legais. Quando recebi o prêmio DNA Danone no início deste ano a pessoa responsável pelo prêmio (organização, entrega dos brindes que faziam parte da premiação e todo resto) se chamava Cassiano Mecchi (http://cassiano.livejournal.com/). Muito pouco tempo depois, o Cassiano saiu da Danone e se mudou para o exterior, mas precisamente para Helsinki, Finlândia.
Eu entrei em contato algumas vezes com o Cassiano depois de ter agendado a viagem e saber que iríamos passar por Helsinki para tentar encontrá-lo neste país escandinavo. Sinceramente eu pensei que devido aos compromissos dele e do Marcelo nós não teríamos o prazer de encontrá-los na Escandinávia.
Mas, o Cassiano fez um esforço e conseguiu encaixar um jantar conosco em sua agenda.
Fomos em um restaurante chamado Juttutupa e além da sempre agradável companhia do Cassiano pudemos ter uma pequena mostra turística noturna da baía de Helsinki. Pena que não tivemos a oportunidade de compartilhar este momento com o Marcelo, que estava no Chile em um congresso de botânica (o cara faz doutorado em botânica em Helsinki!!).

 Nós e o Cassi no Juttutupa em Helsinki

Voltamos para o hotel em Helsinki eram umas 11 da noite mas acabamos indo deitar mais tarde um pouco. Eu fiquei preocupado se o despertador iria tocar e se eu conseguiria levantar e acabei naquele dorme-não dorme! A cada uma hora mais ou menos eu acordava e olhava no relógio com medo do despertador não tocar. Às 6 da manhã, o relógio tocou e levantamos. Meia hora depois estávamos no saguão do hotel e tomamos nosso café e antes das sete estávamos na estação de trem para pegar o Sibelius que sairia às 07:23h com destino a São Petersburgo, Rússia.


 No trem para São Petersburgo

Entramos no vagão e sentamos em um lugar que não era o que estava marcado em nossas passagens. Isso, porque nossos lugares eram aqueles que a pessoa vai sentada de costas para o sentido que o trem anda e o perigo de enjôo seria grande (metade das poltronas do vagão são para um lado e a outra metade de frente para essas). O trem partiu na hora exata e foi seguindo seu trajeto rumo ao norte (eu estava acompanhando na bússola de meu relógio o sentido em que viajávamos). Enquanto a Fer dormia eu fui curtindo a paisagem e pude ver algumas coisas bem diferentes e outras nem tanto, mas que ainda me chamam atenção como os campos cobertos de geada. Das coisas diferentes que me chamaram a atenção entre elas estavam alguns cavalos que vi em uma fazenda e que estavam pastando com um tipo de cobertor por cima deles para agüentar o frio. Vi gado tipo aquele gado holandês que temos no Brasil, mas ao invés de suas manchas serem pretas elas eram marrons e os ubres das vacas pareciam os ubres de algumas vacas holandesas que vi em um torneio leiteiro em Luminárias City (realmente inchados, muito cheios de leite provavelmente).
Eu estava meio cabreiro pois o visto para Rússia era algo que não até algum tempo atrás gerava grande burocracia e não era fácil de se obter. Mas um acordo entre Brasil e Rússia que passou a valer desde junho passado excluiu a necessidade de visto para viajantes entre os dois países. Mas será que os oficiais da fronteira saberiam deste acordo? Será que eles não apontariam fuzis kalashnikovs para nossas cabeças e acabaríamos sendo interrogados pela antiga e extinta KGB nos porões do Kremlin? Vai saber...
Pois não deu outra! Quando vi os oficiais de fronteira entrando no vagão, ‘mais sérios que gato cagando’, dei uma cutucada na Fer (para ela acordar) e os caras que não mostravam os dentes acho que nem pra dentista pediram nossos passaportes. Entregamos os passaportes e eles olharam e olharam para nós. Depois folharam e aí o mais baixinho deles puxou um carimbo e carimbou nossos passaportes! Olhei para ele e disse: spasiba! (obrigado em russo). E ele respondeu: You still in Finland! Uma meia dúzia de finlandeses que estavam no trem começaram a rir e a Fer também. Eu continuei suando!!!
Depois de uns 25-30 minutos de viagem o trem parou na fronteira entre Finlândia e Rússia, Vyborg (em russo lê-se: Viborg) para aí sim acontecerem os trâmites de alfândega. Oficiais russos de fronteira entraram no vagão, sem fuzis kalashnikovs, e recolheram os passaportes de todos os passageiro (os únicos não europeus éramos nós dois e levaram com eles). Depois de mais de 40 minutos de trem parado um funcionário da VR (empresa que coordena o serviço de trens entre Finlândia e Rússia) voltou e devolveu os passaportes para todos. Tínhamos agora o carimbo russo em nosso passaporte! Não foi desta vez que fomos para os porões do Kremlim.
O trem retomou sua viagem rumo a São Petersburgo e pude ver e sentir a herança deixada pela extinta União Soviética. É muito clara a diferença entre a estrutura da Finlândia (européia e parte da União Européia) e a Rússia (européia mas não faz parte da União Européia). Carros Lada, bastante velhos. Casas pobres e vi várias daquelas casas do modelo de construção daquela igreja ucraniana que tem em Curitiba, sem pregos. Isso eu achei bem legal! Ainda, bastante sucata próximo as estações de trem n território russo que apesar de ter suas estações com as cercas e plataformas de embarque bem cuidadas e pintadas de azul claro tem suas construções com claros traços da construção da antiga URSS e bem que podiam estar mais bem cuidadas e poderiam ser restauradas por, pelo menos em minha opinião, serem parte da história desta gigante nação.
À medida que nos aproximávamos de São Petersburgo pude reparar que os carros Lada davam lugar a Toyotas, Hyundais, Opel e até Ford. ‘Me caiu os butiá dos bolso’ quando vi um Hummer!!
Pois bem, chegamos na estação de trem em São Petersburgo, ‘Finlyandsky Rail Terminal’, que recebe os trens vindos da Finlândia.


 Finlyandsky Rail Terminal

Depois de desembarcarmos com as malas para um mês de viagem saímos a procura do metrô para irmos para o hotel que estava reservado para nós (Nevsky Grand). Olhei para um guarda fardado, mais alto que eu, e fui em sua direção para pedir informação. Ele me olhou e já de uns 10 metros de distância começou a balançar a cabeça negativamente, cabreiro porque não falava inglês e viu que eu iria perguntar algo. Quando cheguei perto dele e falei:metrô, metrô! Ele respondeu em russo e fazendo sinais com a mão do tipo vai por ali, dobra à direita e depois à esquerda segue reto toda a vida aí sobe a rampinha e quebra de revesgueio pra direita e chega lá (pelo menos foi essa minha interpretação do russo do guarda). Saímos eu e a Fer meio no rumo e achamos a estação de metrô depois de dar uma volta ao redor da saída e passarmos por algumas centenas de pessoas que chegavam na estação de trem. Chegamos na Ploshchad Lenina, a estação de metrô que queríamos. Fui comprar os tickets do metrô e disse: ‘dva metro’ (dois metrô) e a mulher desandou a falar russo e eu não entendi bulhufas!
Pois bem, com os tickets na mão (que na verdade eram duas fichas que inseridas liberam as catracas da entrada da estação) fomos seguindo o rumo das pessoas. Chegamos na escada rolante. Me impressionou a profundidade da estação. Sem brincadeira nem exagero a viagem na escada rolante levou uns dois minutos! Na época da tentativa de ocupação de São Petersburgo na Segunda Guerra Mundial, durante os bombardeios alemães, as estações de metrô serviam com abrigo à população de São Petersburgo. Essa cidade ficou cercada pelos nazistas por 900 dias. A ração de cada cidadão chegou a ser 120 gramas de pão por pessoa e mais de 600 mil russos morreram durante este cerco. Mas os nazistas não conseguiram tomar São Petersburgo. Diga-se de passagem: algo em torno de 30 milhões de pessoas morreram durante a Segunda Guerra Mundial e se não me engano deste 30 milhões, 20 milhões eram russos! Mas não estou aqui para falar em história nem em guerras. Isso tudo hoje em dia tem na internet...
Para mim é muito forte essa história de estar na Rússia. Meu avô era russo. De Samara, nas margens do Volga, mais ao sul da Rússia. Mesmo estando em São Petersburgo e depois seguindo para Moscou eu sou o primeiro dos descendentes do meu avô a pisar na Rússia. Ele teve que sair fugido daqui quando da Revolução Russa para não ser morto pelos bolcheviques.
Na plataforma de embarque tentávamos decifrar para qual lado deveríamos seguir. Eu havia estudado as estações ainda no Brasil para não passar tanto trabalho aqui mas os nomes são meio complicados para nós e lembrava apenas que precisaria fazer uma troca de linha na estação Mayakovskaya (da linha vermelha para a verde) e então descer na estação Nevsky Prospect que fica a duas quadras do hotel que ficaríamos hospedados.
Eu e a Fer meio que deciframos o que estava escrito (lembrando que toda essa dificuldade não é só por causa da língua russa, mas tudo aqui é escrito no alfabeto cirílico) e fomos rumo ao vagão do trem. Os trens são antigos, com estilo de serem fabricados com bastante aço e não com alumínio e metais mais leves como outros trens que já tive oportunidade de pegar em sistemas de metrô como de São Paulo, rio, Barcelona e New York. Os vagões estavam relativamente cheios e saí rumo a um dos vagões na frente da Fer e não escutei ela falar comigo para esperarmos o próximo trem pois aquele já estava quase saindo. Entrei no vagão e então a Fer veio rápido e foi o tempo de ela meio que jogar a mala para dentro do vagão e pular pra dentro e a porta fechou! A porta dos vagões do metrô em São Petersburgo fecham com tanta rapidez e violência que se alguém deixar a mão entre as portas é capaz de decepar a mão da pessoa ou pelo menos dar uma boa fraturada em alguns ossos. Por sorte só o que foi atingido pela porta do vagão foi a jaqueta branca da Fer. O trem saiu andando e ela tentava soltar a jaqueta que estava presa na porta e não conseguia até que desencarnou e esperou até a próxima estação (Chernyshevskaya) quando as portas abriram para poder puxar a parte da jaqueta que havia ficado presa para dentro e então se soltar do vagão.
Descemos na estação seguinte: Mayakovskaya para fazer a baldeação e pegar a linha verde para descermos na estação Nevsky Prospect. Olhamos uma placa (em cirílico) aonde identificamos a palavra Nevsky Prospect e fomos naquele rumo. Chegamos na escada rolante que também, devido à sua altura/profundidade da estação levaria uns dois minutos para chegarmos no nível da plataforma que supostamente faríamos a baldeação e quando começamos a subir puxei a filmadora do bolso e comecei a registrar a subida da escada rolante. Nisso, uma mulher me minha frente começou a falar algo que eu estava pensando que era para tirar foto ou filmar eu e a Fer e foi quando entendi o que ela queria dizer em língua inglesa (o famoso russian/english): no photos, no movies. It means information. Don’t do it! Mais do que depressa desliguei a câmera e a guardei no bolso quando lembrei das possibilidades dos porões do Kremlim...
Pois bem, chegamos no final da escada rolante e vimos a claridade da rua. A placa que havíamos visto lá embaixo não era pra estação e sim para a Avenida Nevsky Prospect, uma das principais de São Petersburgo.
Decidimos então que ou pegaríamos um taxi ou iríamos caminhando para o hotel. Saímos da estação após novamente tentarmos informação com outro policial fardado que na verdade nos apontou a Avenida acima mencionada e fomos em direção a alguns taxis. O negócio é roots! Perguntei em inglês quanto custaria a corrida até nosso hotel e o taxista da vez disse que seriam 500 rublos (uns 30 reais). Nisso o que era o segundo da vez disse que faria por 400 rublos e aí decidimos ir a pé pro hotel (pois pensávamos que estávamos perto). Foram uns 40 minutos de caminhada com uma mochila de 30 litros e carregada nas costas, a bolsa da Fer com as câmeras e duas malas grandes (menos mau que tinham rodinhas).
Ainda erramos a rua do hotel umas duas vezes. Perguntei para uma vendedora de cachorros quente aonde era a rua Konyushennaya Ulitsa e quando ela abriu a boca pra responder fiquei de cara! Todos os dentes de cima da sua boca eram de ouro!
Ela falou e fomos no rumo até que encontramos o hotel depois de mais algumas aventuras.

Na Nevsky Prospect em São Petersburgo

Fizemos o check in no Nevsky Grand e saímos para comer algo. No restaurante que fomos (e acho que em todos aqui serão desta maneira) as pessoas comem e fumam ao mesmo tempo. Fazia tempo que não via isso já que no Brasil não se pode mais fumar em lugares fechados. A Fer tomou uma sopa de salmão, truta e camarões e eu comi a famosa e esperada borsh (sopa de beterraba) e pedi uma cerveja russa.



Dali, caminhamos até a Dvortsovaya Ploshchad (Praça Dvortsovaya) aonde fica o Museu do Hermitage que iremos visitar em um de nossos dias em São Petersburgo.




Tiramos algumas fotos e voltamos em direção ao hotel. No caminho entramos em uma Zara para dar uma olhada e depois de olharmos a belíssima Igreja do Salvador do Sangue Derramado (Sobor Voskreseniya Xristova) de decidimos tomar um café no Dom Kompanii Zinger que significa algo do tipo centro de compras Kompanii Zinger e na verdade é uma grande livraria e com um café bem legal e em conta com vista para os fundos da Catedral Kazanskiy (Kazanskiy Kafedral’nyy Sobor).

 Igreja do Salvador do Sangue Derramado

Eu e a Fer com a vista dos fundos da Catedral Kazanskiy em segundo plano

Dali voltamos para o hotel e ainda tivemos o prazer de falar pelo skype com a D. Elsa e Tuquinha e com meu irmão (Leandro) e meu pai (que está empolgado por eu estar na Rússia e prestou atenção e curtiu todos os detalhes que contei pra ele – os mesmos que acima narrei nesse gigante post)! Obrigado pai, por ter me dado a educação que me deste (o senhor e a mãe), pelas privações que ambos passaram para dar para mim e meu irmão o estudo e proporcionar as oportunidades para que eu pudesse me desenvolver e através de meu trabalho e esforço estar aqui hoje, na Rússia, com minha esposa e compartilhar com o senhor meu pai esta experiência. Tenho orgulho de ser filho de quem sou, irmão de quem sou e ter os amigos que eu tenho. Eu te amo meu pai!

Pessoal, me desculpem pelo tamanho do post mas são detalhes que eu não poderia ter deixado de compartilhar com vocês que estão nos acompanhando virtualmente! A ‘audiência’ de vocês no nosso blog que faz com que possamos compartilhar, dividir esta coisa louca que é estar deste lado do mundo com pessoas que amamos, gostamos, respeitamos. Abraços e beijos a todos vocês e assim que der atualizarei com as nossas próximas experiências neste lado do mundo!
Spasiba bolshoi!! Madá e Fer!

Ops, pra terminar, deixo esta foto pra vocês sentirem o drama e como diriam lá em Lages: Mas vai pra onde homééé????


6 comentários:

  1. Ah, Madá, ri e até chorei nesse post. Assim vc gorpeia.....

    *e pra lugar nenhum, hóme. Senta e chora!

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  2. Ah, chorei muito...
    Que coisa mais linda vocês estarem aí, mas curtindo e valorizando esta conquista deixa tudo muito mais valioso ainda. Seu avô com certeza ficaria orgulhoso e honrado pelo fato de que a primeira pessoa da família que retorna à patria amada ser você, que conquistou com dedicação e competência este presente.
    Acho que você é um exemplo vivo do valor de um ideal, meu querido.
    Aproveitem, aproveitem...! Ver você tomando borsch me emocionou também, sei quanto esperava por isso - não só pela iguaria : ) mas pelo que significa isso tudo.
    *as placas me fizeram lembrar do quase desespero no Japão... mas a Fer te ajuda, viajar com ela é tudo de bom!!
    Espero a próxima postagem!

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  3. O Madá, a placa quer dizer: "Segue toda vida reto depois dobra as esquerda, fica logo ali meu querido".

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  4. ah eu tambem chorei, ri, e chorei de novo. Essa viagem devia se tornar um livro um dia... quem sabe?
    adoro os detalhes, fico imaginando a "grossura" do povo :D e a dificuldade de se achar... que bom que voces tao com tudo pra fazer dessa viagem uma coisa pra vida, e pra contar pra tantas geracoes. Ainda ri da historia do vo Wielecosseles com o Niall, e a gente tentando traduzir pra ele "aprontou alguma" :D
    mal posso esperar amanha de noite pra ler o proximo!

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  5. Madá, que coisa mais linda!
    Estou viajando com vocês, me divertindo com cada aventura, apreciando os detalhes que cada um dos dois observa e comenta. Fotos lindas também, a tua tomando o borsh está especial!
    Só imagino a emoção do teu pai, porque também me sinto feliz e orgulhosa por você ter conseguido chegar com a Fer nestas paragens tão sonhadas através do teu trabalho e esforço.
    É grande a expectativa pelos próximos posts - e não se incomode se ficarem longos, que a gente lê com gosto!

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  6. Madá, Lindo demais!
    Ri, me emocionei!
    Tá um delícia estar de carona com vcs nesta viagem.
    Aproveitem muito e parabéns pela viagem!!!
    Beijo enorme

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